3.01.2016

A UE não aparece no álbum de fotografias

JOSÉ VÍTOR MALHEIROS


Pense nos acontecimentos históricos dos últimos 60 anos em todo o mundo. Mais ou menos a partir da segunda Guerra Mundial. Vá, faça um esforço de imaginação. Não, não precisa de saber nada de história. Não é um teste nem um concurso. Não ganha nada mas também não há respostas erradas. É só uma experiência. Comece por onde lhe der mais jeito, ali pelos anos 60 do século passado ou mesmo um pouco mais para trás, ou só depois do 25 de Abril, conforme a sua idade, a sua memória, o seu gosto pessoal e os seus conhecimentos de história.

Pode escolher os acontecimentos que quiser: grandes datas políticas, marcos científicos, revoluções sociais, saltos tecnológicos, choques culturais… Já conseguiu? Está a ver desfilar na sua mente uma série de imagens, como numa daquelas apresentações de documentários televisivos, cheias de imagens a preto e branco? Acrescente as imagens a cores. Podem ser excertos de filmes. Pode juntar documentos, quadros, música (não se esqueça da música). Já está? Está no meio de um turbilhão de recordações pessoais, de recordações importadas dos filmes que viu e dos livros que leu, de discursos e canções, de fotos e de bocados de telejornal, de capas de discos e de manchetes de jornais?

Bom, agora a pergunta: alguma das coisas que evocou tem alguma coisa a ver com a União Europeia? Inclua também as designações das organizações anteriores, a Comunidade Económica Europeia, Bruxelas e a Comissão Europeia, o que quiser, para não deixar escapar nada. Não? Nem de longe? Nem se lembrou de tal coisa? Torne a fazer um esforço, mais dirigido desta vez. Tente enfiar à força a UE nas suas memórias históricas. E agora? Ainda nada?

E havia alguma imagem, alguma referência que tivesse a ver com os Estados Unidos? Provavelmente havia. É natural. Os EUA são a mais poderosa potência do mundo precisamente pela sua capacidade de produzir imagens e de produzir narrativas. Não pelo seu poder económico nem pelo seu poder militar, como pensam alguns, mas pelo seu poder de produzir e difundir cultura, de fazer filmes, livros e televisão. É a cultura que suporta tudo o mais, incluindo a sua supremacia económica e militar.

É injusto fazer a comparação com o país mais rico do mundo? Bom, nesse caso alteremos um pouco o jogo: havia alguma imagem, alguma referência que tivesse a ver com um país europeu específico além de Portugal? Com a França, a Itália, o Reino Unido? Ou com a África do Sul, o Brasil, a China? Ou com uma organização internacional? Provavelmente havia. Até a insípida ONU gerou imagens de que nos recordamos: Che Guevara a dirigir-se à Assembleia Geral, Colin Powell a mostrar as “provas” das armas de destruição maciça do Iraque, Malala Yousafzai a discursar, até a (falsa) imagem de Nikita Khrushchev a bater com o sapato…

Será isto importante? É, porque significa que a União Europeia não representa nada, não está associada a nada de particular e, principalmente, não está associada a nada de que nos possamos orgulhar. Significa que a União Europeia, antes e agora, não conquistou espaço nem no nosso coração nem na nossa mente. Não conquistou sequer aquilo a que a gente do marketing chama “share of mind”. Não nos vem à ideia. Não faz parte das nossas narrativas, da nossa história emocional, da nossa história pessoal. Significa que é necessário um violento esforço intelectual para a invocar à nossa memória. Significa que, mesmo quando nos vem à ideia, a UE nos vem pelas más razões, porque nos enfia o pé na porta e nos quer impor a sua vontade, seja a austeridade seja a Europa-fortaleza da xenofobia, mas sem sequer o afirmar de forma clara.

Significa que esta entidade, apesar de condicionar de forma crescente as nossas vidas, não nos mobiliza e não nos inspira. Pelo contrário: cada vez mais, envergonha-nos.

A mobilização e a inspiração de que falo não são da ordem intelectual mas primariamente da ordem emocional. E a UE não aparece nas nossas referências porque mesmo aquilo que ela em tempos pretendia representar (a paz e a cooperação entre as nações, a defesa dos direitos humanos, a segurança e a justiça social, a educação e a cultura para todos, a ciência e o progresso) foi abandonado em troca de benefícios venais para alguns, da imposição de objectivos iníquos e do desprezo dos mais fracos, quer internamente (como a Grécia e Portugal) quer externamente (como os refugiados). A entidade UE não é responsável? A responsabilidade é dos Estados-membros? Claro que sim, mas isso significa apenas que não conseguimos usar a ideia de “Europa” para fazer vingar os objectivos generosos que ela representou em tempos.

2.02.2016

Se foi assi para nós e nossos antepassados, então tambem o será, para os nossos filhos??

Os filhos, os amigos e as mães deles 

Uma mãe preocupa-se com as companhias dos filhos. É assim desde sempre. Nós queremos saber quem tudo sobre os amigos deles, o que fazem, do que falam, como são, do que gostam, etc. 

Somos coscuvilheiras por natureza e historicamente temos a mania de nos meter na vida dos outros. Ora, sendo os outros os nossos filhos, não fazemos qualquer cerimónia na coscuvilhice. E chamamos a isso educação. Quando os filhos são pequenos a coisa controla-se com facilidade: somos nós que escolhemos os amigos deles e não há mais conversa.

Da mesma forma que escolhemos as papas que eles comem e o leite que eles bebem, também achamos que temos o poder, o direito, o bom senso de escolher com quem eles se devem dar. Faz sentido. A nossa preferência vai invariavelmente para os filhos dos nossos amigos. Nem queremos saber como eles são, não nos interessa pormenores, basta saber que são filhos dos nossos amigos que isso chega como currículo de amizade. Se os pais servem para amigos, os filhos deles também devem servir para a criançada. E assim, entre festas de anos, lanches e passeios, as amizades solidificam. É com base nesta lógica que apresentamos os filhos dos nossos amigos aos nossos filhos e fazemo-lo da mesma forma que lhes enfiamos colheradas de sopa pela goela abaixo. Quando eles são pequeninos nós não lhes arranjamos amizades, impingimos amizades. “Vai brincar com ele… O menino tem a tua idade”. O processo normalmente é difícil e quase sempre as coisas não acabam bem. As crianças dificilmente percebem o que é que a idade tem a ver com o querer brincar e muito menos querem saber dos pais das outras crianças.

Os pais não são argumento para a empatia. E ali ficam os miúdos, a olhar uns para os outros, quando não se pegam em discussões ou lutas surdas de intimidação. É confrangedor mas nós insistimos. para nós é fundamental cimentar estas amizades por uma questão logística e porque assim solidificamos ainda mais as amizades com os nosso amigos. é mais um elo que nos une. Além disso, nós, mães, que temos como objectivo de vida conseguir passar tardes com as amigas em conversas intermináveis sobre a origem do universo e as vidas das outras amigas, precisamos que os nossos filhos brinquem uns com os outros para termos sossego. E insistimos. O resultado está em todos os livros: são exactamente os filhos dos nossos amigos que não são amigos dos nossos filhos. Raramente há coincidência.

Até que eles crescem com amizades à nossa revelia, deixam de confiar em nós como conselheiras sociais, e acabamos nós por ficar amigas das mães dos amigos dos nossos filhos. O processo inverte-se, portanto. Mas eles evoluem ainda mais: passam a infância e nós ficamos completamente tramadas. É então que  perdemos literalmente o pé e o rasto das amizades dos nossos filhos. Quem são? O que fazem? Do que gostam? São bons alunos? Quem são os pais? Moram onde? Pois eu cheguei a esta fase. A maioria dos amigos dos meus filhos mais velhos só conheço de nome e alguns só conheço um bocadinho melhor graças ao Facebook e ao meu trabalho de detective. Resta-me, então, confiar no discernimento social da criançada. Ora, isto é um enorme problema para qualquer mãe: nós não confiamos em nada que não seja palpável, visível ou susceptível de ser comprovado cientificamente. Além disso, temos pânico das chamadas más influências visto que os nossos meninos são ingénuos, muito crédulos e, por isso, influenciáveis. Nós sabemos do fundo do coração que os disparates que eles possam fazer têm origem nas más companhias. Em mais nada, pis geneticamente são imaculados. Daí a nossa angústia perante o desconhecimento. Sim, eu sei, devemos convidar os amigos dos nossos filhos para conviverem em nossa casa e assim passamos a conhecê-los ou, em linguagem de mãe, a controlá-los. Estou nessa fase: convencer os meus filhos a trazer os amigos cá para casa.

Mais crianças/adolescentes/jovens, portanto. Mas é mesmo assim, é conhecendo os amigos dos nossos que os conhecemos a eles mais um bocadinho. Por exemplo, no outro dia perguntava a um dos meus filhos com 11 anos se as raparigas que fazem parte do grupo dele também jogam à bola, pois este meu filho só joga à bola (acho eu). A resposta contribuiu para conhece-lo um bocadinho melhor: "Às vezes... É assim, mãe: elas são assim como nós (ele e os outros rapazes do grupo) só que são raparigas". Está tudo dito: principalmente sobre este exemplo do género masculino que estou a criar.